A COMPANHIA DE DEUS POR MEIO DO SANTO
NOME
SWAMI SHRADDHANANDA – DO LIVRO “SEEING GOD
EVERYWHERE”
Dois amigos podem apreciar a companhia mútua de várias
formas. Eles podem sentar e conversar, ir a um restaurante ou a um cinema
juntos, ou podem compartilhar interesses mútuos como nadar ou pescar. Não há
limites para as formas de apreciar a convivência reciprocamente e cada
uma delas é recompensadora. Eles gostam de estar juntos.
De modo similar, um devoto sincero quer sentir a presença
de Deus e comungar com Ele. O maior desejo e objetivo do devoto é realizar
Deus. Contudo o mundo com as suas muitas distrações obstrui
esta comunhão. Pois embora Deus esteja presente em tudo – tanto interna quanto
externamente – maya, ou ignorância, oculta a Sua
face. Por isso um devoto deve praticar o estar presente na companhia de Deus de
todas as formas possíveis.
Não pensemos que é somente o devoto que procura a Deus e
que Ele nada faz. Os instrutores de bhakti yoga, a
senda devocional em direção a Deus, nos dizem que Deus é muito mais ávido em
ter a companhia de Seu devoto, uma vez que neste vasto mundo são poucos os que
procuram Deus exclusivamente por amor a Ele. Milhões de pessoas procuram Deus
por algum fim egoísta ou mundano, mas rara é a pessoa que pode dizer que está
procurando a Deus, não por riqueza ou milagres, mas simplesmente por amar a
Deus. Na bhakti yoga esse tipo de buscador é chamado
de devoto de primeira classe. Tal devoto quer cada vez mais sentir a presença
de Deus e sentir a Sua presença em tudo.
Os devotos podem ter a companhia de Deus de várias
maneiras. Eles podem ir a um templo ou lugar sagrado e meditar; eles podem ler
as escrituras sagradas e contemplar Deus, ou cantar cantos devocionais e adorar
com incenso, flores e outros rituais. Na tradição espiritual hindu, outra forma de ter a
companhia de Deus é por intermédio do mantra yoga, a repetição de Seu santo
nome.
O mantra yoga é uma forma maravilhosa de chegar mais perto
de Deus – e até do estado da suprema unidade, o ápice da vida espiritual. No
estado da suprema unidade, tudo no universo – espaço, tempo, montanhas, rios,
estrelas, milhões de seres vivos – é visto como substância de Deus. Então nos
damos conta de que é Deus que continuamente projeta este vasto fenômeno da vida
e que este universo não é diferente de Deus.
A prática do mantra yoga tem a sua origem na filosofia
básica da Palavra; esta filosofia afirma que o universo é formado a partir da
vibração sonora, em que diferentes níveis de vibração formam palavras. (Swami Shraddhananda
está se referindo à filosofia do Logos, a que foi dado expressão nas linhas de
abertura do Evangelho de São João: “No começo era a palavra, e a palavra estava
com Deus, e a palavra era Deus.” Nesse sentido Swami Vivekananda disse, “O Hinduísmo Ortodoxo faz de Shruti, o som, tudo. O essencial é meramente uma tênue manifestação da pré-existente e
eterna idéia. Assim a palavra de Deus
é tudo: Deus é apenas a objetivação desta idéia na mente eterna.”) Por um outro ângulo esta vibração é a
vibração da mente em um universo de idéias. A expressão dessas idéias são
palavras correspondentes, de forma que essas vibrações em forma de palavras e
as vibrações da mente finalmente se fundem em uma única Consciência. É a
Consciência que surge como palavras e é a Consciência que surge na forma de
mente. Portanto, de acordo com esta filosofia tudo o que a pessoa experimenta é
a vibração de sons. A Realidade última é Deus como som a partir na qual todas
as outras vibrações sonoras – como vibrações da palavra e da mente com os seus
vários conceitos – tem origem.
Através da contemplação e meditação pode ser alcançado um
estágio em que a mente se prende totalmente no Om
como Shabda- Brahman, ou Som-Brahman. A vibração sonora passa através de várias
camadas da mente para o mais secreto da consciência. Todas as idéias da mente
lentamente se fundem no Om e finalmente o som mais
sutil se funde no insondável (ashabda) Brahman.
Na tradição espiritual dos Upanishads,
o som Om era originalmente o mais elevado símbolo de
Deus, tanto pessoal quanto impessoal. Mais tarde, a adoração por meio de outros
nomes de Deus tais como Krishna, Shiva,
Vishnu se desenvolveu, e estes nomes foram
considerados equivalentes ao OM. Portanto, quando se repete qualquer nome de
Deus com fé e compreende que o nome de Deus é realmente o próprio Deus, surge a compreensão de que o santo nome contém a totalidade de
todas as experiências.
Nossas mentes são normalmente distraídas de muitas formas.
Estamos constantemente experimentando a multiplicidade em vez da existência
unificada e dessa forma não podemos alcançar a paz. A paz somente pode vir
quando a mente se torna calma. Mantra yoga afirma que qualquer nome de Deus, praticado com fé, concentra a mente e nos conduz
gradualmente para fases mais sutis da vibração do mantra e, finalmente, leva à
experiência da suprema unidade. O nome sagrado é como uma diminuta semente que,
quando plantada, lentamente brota e finalmente cresce para se tornar uma árvore
gigante. Embora aparentemente simples, ela contém um grande potencial; exatamente
como Deus é simples e, no entanto, é a fonte de infinito poder. Qualquer coisa
que valorizemos na vida – poder, beleza, grandeza, compaixão – está em Deus pois Ele é a totalidade de todos os nossos valores. Da
mesma forma, a pessoa que pratica mantra yoga tem a fé de que o nome de Deus é
o repositório de todos os atributos de Deus. A fé pode ser frágil no início mas com a prática ela cresce. Gradualmente se percebe que o
nome sagrado está causando uma transformação espiritual.
No começo o devoto pratica o mantra mentalmente ou, algumas
vezes, quando só, audivelmente. O devoto senta quietamente com grande amor,
pois o nome sagrado é um grande tesouro. Da mesma forma como quando um amado
filho ou filha parte, e mãe lembra o nome da criança com grande sentimento,
assim o nome de Deus tem o poder de invocar amor. Enquanto o devoto repete o
mantra, ele ou ela sente a purificação que vem com o santo nome, e como
resultado, a mente se torna gradualmente cheia de paz e serena. Quando esse
estágio é alcançado, várias coisas devem ser adicionadas à prática espiritual.
Antes de mais nada, o devoto deve conscientemente direcionar
o mantra para as diferentes partes do corpo e da mente. Tome por exemplo o prana, atuando no corpo como a energia da vida que sustenta
o coração, a respiração, o sistema nervoso e todos os processos que nos mantém
vivos. O aspirante espiritual não deseja que o corpo, a mente e o prana permaneçam como eram antes; se eles permanecem como
ferramentas da ignorância, impedirão nosso progresso espiritual a cada passo.
Em todos os aspectos os sentidos são obstáculos, porque o plano da natureza não
é nos liberar mas nos manter apegados. Esse é o jogo
de Deus. Somos realmente divinos e a alma é sempre infinita e livre; mas maya nos faz esquecer nossa divindade. O prana, que geralmente mantém o corpo vivo apenas para a
procriação e prazer dos sentidos, deve ser purificado e tornado divino. Do
mesmo modo, devemos purificar nossos olhos, ouvidos, mãos e todas as partes do
corpo bem como a mente em seus vários estágios. Então o corpo se tornará um
verdadeiro templo. Todos os desejos e paixões relacionados aos vários sentidos, irão extinguir-se. Isto pode ser alcançado pelo
direcionamento do mantra, reconhecendo que o nome sagrado é o poder de Deus.
Esse poder é o maior purificador; se ele toca qualquer ponto, esse ponto se
torna sagrado.
A primeira coisa que observamos quando direcionamos o
mantra ao prana é que a respiração e o bater do
coração se tornam mais lentos. Todos os processos vitais dentro do corpo se
tornam calmos. Similarmente, quando direcionamos o mantra para diferentes
partes do corpo, essas partes também se tornam calmas, serenas. Se os olhos
estão inquietos, eles se tornarão calmos pelo direcionamento do santo nome a
eles. Nesse mesmo sentido, um por um, o mantra pode ser direcionado para cada
parte do corpo e processos vitais com o objetivo fazer com que todo o sistema
fique sob controle.
Finalmente, o mantra deve ser aplicado à mente inquieta e
errante, que está constantemente produzindo desejos, emoções e conflitos
irracionais. A mente tentará fugir; ela estará amedrontada com relação ao
processo purificador. Da mesma forma como tentamos matar ervas
daninhas com produtos químicos, algumas ervas daninhas irão sucumbir sem
qualquer resistência enquanto outras desafiarão a tentativa de eliminá-las,
assim também a mente irá protestar. A mente dirá, “você purifica o prana, os olhos, e tudo o mais, mas não se meta comigo.”
Contudo o poder e a paz de Deus residem no sagrado nome que aquieta a mente.
Nesse sentido a efetiva repetição do mantra vai a um nível muito profundo; a
repetição não fica restrita à boca, mas vai ao mais profundo da personalidade e
consciência de uma pessoa. Devemos lembrar que a repetição do mantra é a
companhia de Deus, uma vez que o mantra é Deus. Enquanto se intensifica a fé,
gradualmente será sentido que Deus está sempre presente na mente, intelecto e
ego. Então se aprecia a companhia de Deus mais e mais, e o corpo e mente se
tornam preparados para ter gradualmente experiências mais sutis da consciência
de Deus.
Nesse estágio, todos os elementos aos quais o mantra foi
direcionado não mais comportam-se como obstáculos mas
sim vem em auxílio do devoto. Eles partilham do mantra yoga. O prana dirá “Você não precisa direcionar seu mantra a mim.
Eu mesmo o auxiliarei com o mantra.” Todos os processos vitais – respiração,
circulação do sangue, e assim por diante – serão então sentidos pela repetição
do mantra. Naturalmente, tal repetição não produzirá o som usual; o que se produzirá
será uma vibração sutil. O devoto vai perceber que sempre que o prana cumpre a sua função, o mantra estará sendo repetido –
não por meio de um som humano mas como uma sutil
vibração espiritual. O devoto também perceberá a vibração nos olhos. Toda vez
que os olhos vêm algo, o devoto vai perceber que o mantra está sendo repetido
por eles; ele sentirá que a percepção que vem aos olhos é a vibração do mantra.
Quando os ouvidos ouvem um som, esse som parecerá ser parte do próprio japa. Quando as mãos se movem para tocar em alguma
coisa, o devoto sentirá que elas estão repetindo o mantra. Todas as percepções
dos sentidos juntamente com as várias partes do sistema psicológico vibrarão
com o mantra como se participassem do mantra yoga do devoto.
Quando vem essa experiência, a calma e a paz que invadem a
mente e o coração são realmente maravilhosas. Não há mais qualquer luta. A
mente não estará mais sendo forçada para praticar japa – ela virá
voluntariamente em auxílio do devoto e repete o mantra. A companhia de Deus por
meio do mantra se torna toda penetrante.
Finalmente, o devoto se torna convicto de que o
santo nome de Deus é realmente o próprio Deus, a fonte de tudo. Ele percebe que
o universo se tornou o mantra. O mantra é Deus, como o Divino em forma da Palavra
– a vibração máxima – predomina e absorve tudo. O devoto sente que todo o
universo, todo pensamento e experiência, é a vibração do mantra. A diversidade e multiplicidade do universo começa a
desaparecer.
O universo em diferentes estágios tem diferentes tipos de
vibração – a luz é um tipo de vibração, o calor é outro tipo e a mente outro.
Mas no nível espiritual, o aspirante sabe que todas essas diversas são em
última instância vibrações espirituais. Para o aspirante, elas são vibrações do
mantra.
Quando esse estágio é alcançado o devoto percebe que tudo,
interna e externamente, é o mantra; então a repetição do mantra cessa. O mantra
se funde no silêncio. Quando estudamos o OM, vemos que ele consiste de três
sons, isto é, A-U-M; há também um quarto elemento, que é chamado amatra, que quer dizer silêncio. Da mesma forma, há no
divino nome uma parte audível que se torna gradualmente sutil à medida que
penetra mais profundamente em nossa consciência; finalmente ela se funde no
silêncio. Isto é o que chamamos de samadhi. Neste
estado vamos além de todos os conceitos e, como declaram os Upanishads,
“além do alcance da mente e das palavras.” A verdade mais elevada não pode ser
expressa. Não mais ocorre qualquer repetição do mantra, seja denso ou sutil.
Portanto, quanto a suprema
Consciência-Deus surge, o jogo de maya acaba e não se
sente pesar, arrependimento. Não obstante, em alguns casos, a mente do devoto
desce novamente e olha o mundo – mas não mais como antes. A companhia de Deus
como mantra está com o devoto. O devoto age, encontra os amigos e vive no
mundo; mas Deus, como vibração do santo nome, está sempre presente. O mantra
vem não apenas dos olhos, ouvidos, corpo e ações, mas do ambiente também. Desta
forma, quando se retorna ao plano normal de consciência, é uma vida diferente,
maravilhosa, iluminada vida, livre do medo, ilusão e ignorância.